Entre relações abusivas e seduções

Compartilhe nas redes sociais

Quando éramos crianças, os adultos nos assustavam com a imagem do “homem do saco”: um senhor malcheiroso que andava soturno pelas ruas, levando em um saco as crianças desobedientes. Dessa forma, a ameaça vinha de fora, de um ser desconhecido e asqueroso. Infelizmente, a experiência foi mostrando que a grande maioria dos casos de abuso ocorre por parte de pessoas próximas às vítimas. Afinal, é preciso conquistar sua confiança para, então, atraí-las. Um comportamento raivoso de quem grita, bate na mesa e arremessa objetos na parede, em vez de atrair a vítima, a afastaria, amedrontada.

Os relatos de abusos contra menores mostraram a quão perversa é essa realidade, pois o abusador se esconde sob pele de cordeiro para, depois de algum tempo, revelar-se lobo.

No caso de relações entre adultos, não é muito diferente. A docilidade e o romantismo aparentes se revelam, muitas vezes, uma fachada conveniente aos abusos. E não podemos nos ater apenas às questões sexuais. Afinal, as pessoas costumam ser bastante criativas na arte de abusar!

Em geral, o abuso sexual é o último estágio de uma série de outros abusos cometidos ao longo do tempo. Imagine um prédio de dez andares: esse último andar representaria o abuso sexual, mas, para se chegar até ele, outros nove já foram ultrapassados. De pequenas reclamações, gritos, violência física. Não necessariamente a situação irá escalar até o abuso sexual.

Da parte da vítima, não é incomum sentir-se culpada quando a verdade vem à tona: “Como pude cair nisso?”, “Como não percebi?”. Frequentemente, ocorre também a negação da situação: todos ao redor percebem a relação abusiva, alertam a pessoa vitimada, mas ela insiste em não acreditar.

Conto-lhes um caso com um viés um pouco diferente, mas com o mesmo modus operandi: uma amiga minha recebeu uma chamada de vídeo de um “gerente de banco”. Um sujeito simpático, bem-humorado, com o crachá do banco em questão. Ele a questionou sobre uma movimentação suspeita na conta, à qual ela negou. Em seguida, enviou um link para que ela acessasse a conta e realizasse um procedimento, supostamente para corrigir o erro. Resultado: limparam a conta dela! Ao cair no golpe, ela confessou: “Senti-me culpada e envergonhada por ter caído em algo assim”. Mas, afinal, quem não cairia, já que o tal gerente transmitia toda a credibilidade, com crachá e tudo?

Sentir-se culpada por um golpe ou abuso sofrido não é incomum. Isso apenas mostra o quanto o abusador foi eficiente. Sobre isso, lembremo-nos sempre: a culpa nunca é da vítima!

Aquele “homem do saco”, com cara de malvado, que afastava as pessoas, hoje está bem vestido, é simpático e sedutor. De maneira ardilosa, vai ganhando a confiança de sua vítima para, então, extrair dela o que deseja. Precaução nunca é demais, e as denúncias devem ser devidamente feitas.

Frei Oton da Silva Araújo Júnior, ofm
Doutor em Teologia Moral
Equipe Interdisciplinar da CRB Nacional
Serviço de Proteção da CRB Nacional
freioton@gmail.com

BAIXAR ARTIGO

plugins premium WordPress