É hora de prevenir e proteger

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Imagine as seguintes ocasiões: um engenheiro, ao terminar de construir um prédio, contempla aquela grande estrutura e pensa: “Quando isso aqui cair, qual será a melhor forma de proceder?”. Em uma escola, uma igreja ou qualquer outro lugar, alguém imagina: “Quando este local pegar fogo, o que devemos fazer?”.
Repare que, nesses exemplos, por algum motivo, as pessoas já partem do pressuposto de que algo ruim vai acontecer e se preparam para reagir apenas depois que o pior ocorrer. Fica evidente, nesses casos, a ausência do devido cuidado com a prevenção. O ditado popular já ensinava que “prevenir é melhor que remediar”.

No caso de abusos em instituições eclesiais, sabemos que a tarefa da prevenção não pode ser reduzida a uma meia dúzia de boas intenções. Trata-se, de fato, de uma mudança de mentalidade: desde a formação inicial para a vida religiosa e presbiteral, passando pelo modo como lidamos com o poder, até assegurarmos a devida punição dos culpados e repararmos adequadamente as vítimas.

O Papa Francisco orientou toda a Igreja à criação de protocolos de proteção, o que obrigou muitas instituições eclesiais a redigir ou atualizar seus documentos. No entanto, sabemos que “o papel aceita tudo”, e que nossas questões não se resolverão apenas por meio de documentos bem escritos. É hora de adotar uma nova mentalidade, um novo modo de exercer o poder e a autoridade, um novo modo de lidar com a sexualidade humana, enfim. Tais medidas não se restringem ao abuso de menores, mas se estendem a toda ação em que os tentáculos do clericalismo alcançam.

O reconhecimento dos abusos sexuais na Igreja Católica exige uma abordagem em duas frentes: prevenção e reparação. Esses dois processos estão interligados. Compreender os diversos fatores de risco é fundamental para o desenvolvimento de medidas preventivas, cuja implementação cabe, sobretudo, àqueles que ocupam cargos de liderança e responsabilidade dentro da Igreja. Diversos setores, incluindo associações de vítimas, têm reivindicado mudanças legislativas que tornem os crimes de abuso sexual infantil imprescritíveis.

O Observatório Eclesial Brasil, dessa forma, propõe medidas concretas a serem implementadas:

• A Igreja deve reconhecer seus pecados e crimes, nomeá-los, trazê-los à luz, arrepender-se e adotar medidas concretas para enfrentar os abusos morais, sexuais e de autoridade.

• A Igreja deve fazer justiça, tratando crimes como crimes, acolhendo as vítimas, escutando-as, dando-lhes voz e proporcionando-lhes o cuidado de que necessitam.

• A Igreja deve reconhecer o trabalho investigativo desenvolvido por comissões independentes da sociedade civil.

• A Igreja deve adotar estratégias de prevenção, tornando mais rigoroso o processo seletivo para o sacerdócio e a vida religiosa. • A Igreja deve investir no processo formativo nos seminários e nas casas de formação, favorecendo uma cultura que respeite o protagonismo do outro, notadamente do laicato , tendo em vista que, no interior dessas instituições, também há abusos entre os pares.

O Sínodo sobre a Sinodalidade, cuja segunda etapa ocorreu em outubro de 2024, assim refletiu a respeito dos abusos em instituições eclesiais:
“Muitos males que assolam nosso mundo também se manifestam na Igreja. A crise dos abusos, em suas diversas e trágicas manifestações, trouxe um sofrimento incalculável e muitas vezes duradouro às vítimas e sobreviventes e às suas comunidades. A Igreja precisa ouvir com cuidado e sensibilidade especiais as vozes das vítimas e dos sobreviventes de abuso sexual, espiritual, econômico, institucional, de poder e de consciência por parte de membros do clero ou de pessoas com cargos eclesiásticos. Ouvir é um elemento fundamental da jornada rumo à cura, ao arrependimento, à justiça e à reconciliação. Em uma época que experimenta uma crise global de confiança e incentiva as pessoas a viverem em desconfiança e suspeita, a Igreja deve reconhecer suas próprias falhas, pedir humildemente perdão, cuidar das vítimas, dar a si mesma ferramentas preventivas e se esforçar para reconstruir a confiança mútua no Senhor” (Documento Final da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, 2024, n. 55).

O Sínodo lembra ainda a importância de uma cultura de proteção, para tornar as comunidades lugares cada vez mais seguros para menores e pessoas vulneráveis:
“Já foi iniciado o trabalho para equipar as estruturas da Igreja com regulamentos e procedimentos legais que permitam a prevenção de abusos e respostas oportunas a comportamentos inadequados. É necessário dar continuidade a esse compromisso, oferecendo treinamento específico e adequado àqueles que trabalham em contato com menores e adultos mais frágeis, para que possam agir com competência e saibam captar os sinais, muitas vezes silenciosos, daqueles que estão passando por um drama e precisam de ajuda. O acolhimento e o apoio às vítimas são uma tarefa delicada e indispensável, que exige grande humanidade e deve ser realizada com a ajuda de pessoas qualificadas. Todos nós devemos nos deixar abalar pelo sofrimento delas e praticar aquela proximidade que, por meio de escolhas concretas, as alivia, as ajuda e prepara um futuro diferente para todos. É imperativo que, em todo o mundo, a Igreja ative e promova uma cultura de prevenção e proteção, tornando as comunidades lugares cada vez mais seguros para crianças e pessoas vulneráveis. Embora tenham sido tomadas medidas para evitar abusos, é necessário fortalecer esse compromisso, oferecendo treinamento específico e contínuo para aqueles que trabalham com crianças e adultos vulneráveis. Os processos de proteção devem ser constantemente monitorados e avaliados. As vítimas e os sobreviventes devem ser recebidos e apoiados com grande sensibilidade” (Documento Final da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, 2024, n. 150).

No centro das reflexões está a vítima. Ela é o pivô de toda a preocupação da Igreja e da sociedade em geral. Em uma concepção anterior, a centralidade estava na instituição, que deveria ser preservada. Agora, não. Levar a sério o cuidado e a proteção de menores, adolescentes e adultos vulneráveis fará com que o nosso olhar se volte para as pessoas caídas ao longo do caminho.

O engenheiro pode até elaborar um plano de evacuação do prédio, caso algo estranho aconteça — assim como recebemos instruções no início de um voo. As construções terão extintores de incêndio sempre à vista, no caso de uma eventualidade, mas nunca banalizando aquilo que merece ser tratado como um assunto grave.

Frei Oton da Silva Araújo Júnior, ofm
Doutor em Teologia Moral
Equipe Interdisciplinar da CRB Nacional
Serviço de Proteção da CRB Nacional
freioton@gmail.com

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